ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

sábado, 30 de abril de 2011

verdade para além-verdade


Vernoqueda por Daya Gibeli



Era uma princesa. Não era dessa vez tão bela assim. Estava lavando roupa na boca do rio. As mãozinhas dentro d'água... 
O corpo sem cálculo de pensamentos. O rosto figurava um nada angelical.
Foi quando de repente impunemente subitamente desesperadamente...
do pai-de-todos lhe foi usurpado seu anel inoxidável.
Ela, desesperada, inventou falsas verdades, épicos mirabolantes, tudo para satisfazer-se a si mesma... princesa decadente... e a seu pai... um homem mau!  
Já o anel fora comido por um peixe, que enojado com o gosto apedrejante, cuspiu-o na terra em belíssimo voo flutuante. Voo de peixe, guelras de peixe, olho de peixe...
Sementes de maçã germinavam naquela terra. E a seiva madrepérola da árvore ressuscitou o anel, que floresceu e alojou-se num fruto, o mais pomposo e suculento fruto... o mais vermelho!

Algum tempo... 

E um príncipe estrondoso estava a fazer cooper ao lado de seu cavalinho pela região. Encantou-se com o maravilhoso pomar. Nunca vira coisa mais encantadora de minuciosidades...  Para saciar a fome que o arrematou pelo olhar. Arrancou um fruto... pomposo e suculento... o mais vermelho! 
Ajeitou-se e mordeu a carnuda maçã.
Poow! Quase perdeu o dente, mas encontrou o anel.
Subitamente pensou – como príncipe estrondoso que era -: "pelas barbas del rei... com este anel... poderia morder as maças de uma donzela"



quarta-feira, 27 de abril de 2011

Fotógrafa Irina Ionesco

A mulher aranha tinha toda a verdade de si nos seus olhos, repletos de teias inundadas de palavras e sonhos... espera ávida a chegada do amor que nunca chega. Deita e curva-se. O ventre, vísceras pungentes, pronto a devorar, de geração em geração, chaves que não serviriam para abrir suas portas. Era interrogada sentada numa cadeira, com os olhos vendados, sussurrava:
- Escute o beijo dos grandes lábios
Masturbava-se acariciando o couro cabeludo e as plumas, grito selvagem, infâmia. Era muito mais misteriosa, guardava o néctar divino cheia de si e de seus olhos, bastava-se. Os dedos conhecedores de todos os segredos, deliciavam-na de paixão e gozo. A língua molhava os lábios sedentos pela ardência do amor irreversível.

terça-feira, 26 de abril de 2011

menino que tem a rua toda para si


Meninos de rua por Eduardo Dias Gontijo

os olhos do menino de expressão fugidia
diziam algo que eu não entendo
entre carros ferozes, vielas desmedidas, sinais quebrados, radares eficazes, vidros fumê, pontes de plataformas enferrujadas, cabeças cabeças cabeças cabeças ................................. tudo fica como está, quem sabe?
pernas caniços marcadas com as chagas da vida do menino que já nasce homem
desperta distante da terra do sonho, da pipa, do algodão doce, do carrossel
conhece o isopor, a pele, os gritos desaforados, o troco do dinheiro pingado, a ignorância alheia
tem dia que o craque, o engolir fumaça e desgraça, cola, o dormir na vala, a falta de tempo e identidade, o murro na cara, sopa de pedra, fedor, solvente, fraqueza 
a feição não muda queimada de fome e de sol, sol carrasco, olho do cão, encontro com o diabo, com a sobrevida, com o dia após dia que o obriga a encher barriga e esquecer a bola, a pipa, o algodão doce, a travessura
obriga a viver ali para sempre, menino expressivo, o rosto bem marcado, pele enrugada por dez, 10 anos de sofrimento
menino que já nasce para morrer, menino de rua

sábado, 9 de abril de 2011

o louco acha que é são, mas eu sou louco

(Ferragens de um automóvel dando a luz a um cavalo cego comendo um telefone - Salvador Dali/1938 )



Madruga
um animal imenso passa desapercebido diante de meus olhos
desmaia suas asas sobre mim
escravizando-me etéreo e transtornado
Tenho medo de fechar as pálpebras e adormecer
encontrá-lo repartido numa obscuridade gelada e suas medusas
Incompreendido
como uma pena dançando sozinha
delirante flutuando na folha branca
Sem limites
uma gota azul-petróleo debruça seu encanto molhado, indissolúvel e cheio de vida
traços despreocupados de quem não almeja a perfeição; ela não há
livre de realidades criadas por apertos de mão
monstruosamente alucinado pelo mundo dos sonhos, amante da ilusão
Surrealismo de Dali
Palavras suavemente cortantes de Lorca
janelas abertas para o mundo, um mundo gigantesco
lá onde tudo pode, lá onde seres fantásticos sobrevivem aos maiores sacrifícios
Primazia do Éden
música música música... para a alma

quinta-feira, 7 de abril de 2011

o gosto salgado do mar de lágrimas banhado em sangue

criança e o sentimento de não estar totalmente. não sabia dizer, só sabia calar. a vida um não-lugar, e por nada ter, não tem nem mesmo recordações, nenhum projeto. perdido no umbral do deslocamento do sujeito. o ensimesmamento, o gesto de curvar-se sobre si mesmo, o rígido corpo um cilindro jogado no vácuo, flutuando sem oxigênio, sem pensar no ontem nem no amanhã, definhando.

crendo em deus, concentrando a fé em seu deus, postura atônita e absorta, toda a energia idólatra delirante revertia-se em uma vontade, o ruído de uma voz quase imperceptível vinda do de dentro: "vá pegar eles!" estágio máximo e enfurecido do transe - mórbido mantra.

ele levanta decidido e extravagante e vai... vai predestinado a cumprir sua resignação, move-se lentamente, irreversível.
"sim! as virgens me dariam o banho prometido."
conseguiria limpar o nome que há tanto não lhe pertencia. nos meandros de um labirinto escolheu suas musas uma a uma, as guardiãs do paraíso... o caminho. nele, seria pleno. o presente feroz e crônico que se realiza no futuro. o último círculo. acordaria do sono da morte e iria para a vida.

a escola, duas armas, 32 e 38, a chuva de balas... e ele é visto rindo... ele que nunca é visto rindo, mas desta vez, era deus, soberano de tudo sobre todos e acima de todas as coisas. era o seu deus. estava possuído, em sua força nada o ameaçava... foram dez virgens, escolhidas friamente. matou também um garoto, todos mortos com tiros na cabeça ou no peito. gozava a sensação narcótica da vingança, o sabor de ter tudo nas mãos. obscuro numa espécie de bolha era ignorante ao grito aterrorizado das crianças.

quando os policiais chegaram foi tocado por uma sensação muito estranha, quente, leprosa, olhou em volta e percebeu e sentiu pânico de ser quem era. teve medo de seu destino, correu atirou atirou atirou. dois tiros acertaram seu peito, caiu no chão e foi se arrastando para um canto da escada, achou um vidro que dava para ver seu rosto, estava podre, vermes brotavam dos olhos e lhe corroíam a pele em decomposição

diabo diabo diabo... enfiou a arma em diagonal no céu da boca e pá...
encontrou a si mesmo


Quinta-feira, 7 de abril, logo cedo. Escrevi esse texto para nunca mais esquecer... doentio e cortante

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Coreto de Piranga


Quilômetros de estrada e curvas perigosas. Dois desvios cheios de medo; o carro derraparia no menor movimento vacilante. Casinhas coloridas brotavam uma a uma numa rua de losangos empedrados. Sobe e desce de morros estreitos e famílias sentadas na soleira. Chegamos numa praça florescida por lírios, o despertar de seu lirismo; palmeiras imperiais, a fascinante supremacia, e pessoas dispersas em bancos bem colocados. Estendidas no umbral do presente. O coreto, no centro, tinha uma arquitetura delicada. Fora construído minusiosamente por mãos atentas à ciência ancestral, mãos que pincelaram ora a limpidez do branco, ora o ocre cor de carne, simbologia da relação da cor vermelha com o princípio ainda sobrevivente.
Pequenos pedaços de sons preenchiam os espaços vazios e pensamentos distraídos. As notas vinham distantes, de bumbos, cuícas, tambores e chocalhos - veludo para os ouvidos. A inusitada música caminhava, chegando de várias direções. Desciam crianças tocadoras de todas as ruazinhas estreitas direto para a praça central. A fabulosa banda de carnaval era a gêneses do novo. O mais velho integrante, o mestre de bateria, tinha uns quinze anos, talvez menos. Reciclavam marchinhas de Adoniran, Ari Barroso, Chiquinha Gonzaga...
O coreto celeste milagrosamente abria caminho "Ó ABRE ALAS QUE EU QUERO PASSAR..." as pessoas eram tocadas pela música e sorrisos orquestrados no ar feito estrelas iluminando o crepúsculo, as crianças vinham como anjos trazendo na harmonia a felicidade da cidade pintalgada de corações acesos.


segunda-feira, 4 de abril de 2011

A Praça XV em construção











Que droga é essa?

Outro dia entrei no 100(ônibus; Niterói - Praça XV), que diga-se de passageira, é sempre um acontecimento. Era madrugada, nebulosa e fria... na realidade, nebulosa e bêbada. Foi sábado de carnaval, entende? Na ocasião eu era a sininho. Estavamos eu e Peter voltando da terra do nunca, quando entraram no ônibus uns 20 caras, sabe essas pessoas animadas que andam em bando? Então! A galera sentou-se atrás da gente. Falavam merdas e mais merdas: coliformios festais; a bunda tocou só música irada; o mundo seria melhor se fosse feito só de mulher; se afoda seu arrombado; o cara malha e tá com o bipedes manerão... entre outras que desistimos para não ficarmos menos inteligentes, vai que pega, né?
A melhor de todas disparada, vencedora do podium universal intergalático, foi quando o cara disse: tem uma parada gringa aqui pra gente!
Pensei logo no pior. Ih! vão fuma um baseado ou cheira uma cocaína, vai saber? É carnaval...
Eu e Peter olhamos de rabo de olho e vimos uma embalagem quadrada de plático azul quase piscina, o que seria?...
Ai mermão, pega um ai! Mas só um, essa parada é cara, é negócio do bom.
Tentamos olhar discretamente, como quem nada quer. Notei um deles desembrulhando um plastiquinho transparente. Dentro tinha uma coisa estranhíssima, parecia um chiclete de um laranja neon. E diziam cada um a seu tempo: isso é bom pra caralho! Cara, onde cê arrumo isso? melhor parada! maior onda!
Ficamos muito curiosos, curiosíssimos e bota curiosos nisso...
A ponto de rasgar a pele, arrancar os cabelos, fazer uma reza ao santo das causas bizarras, estragar a fantasia... até que... finalmente... um dois coleguinhas perguntou: mas que droga é essa?
Isso é tipo um peixe, sei lá... se chama Kani, é japa!