ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

sábado, 1 de setembro de 2012

preliminares para o próximo encontro

Abro as Luas de Setembro com uma briga de casal. Seriam vestígios de Agosto? - Pensariam alguns mais supersticiosos. Acho que não, respondo. É sorver a reconquista de cada manhã, é conseguir estar e manter-se vivo ao lado de quem ama... é o lucro da matéria, do produto corpo, dos fantasmas do instante, da vida esboçada em sépia cor de sangue... Tormenta!

Romeu e Julieta agora

The Dreamers by Bernardo Bertolucci




M: Oi amor!

H: Oi

M: Que foi?

H: Nada. E a festa foi boa?

M: Ah! Foi ótima. Amigas e a música bem legal... essas coisas

H: Quem estava?

M: Ora... eu a Lola, cristine, valeska... ah um monte, as de sempre, aquelas outras que eu não sei.

H: Todas malas.

M: São nada. São queridas... tá, às vezes sim. E você, como está o trabalho?

H: Tá bom. Mas fala mais da festa. Muito homem? Alguém chegou em você?

M: Não... sim! Mas e daí?

H: E daí o quê? Como foi?

M: ...foi nada. O cara chegou, quis conversar. Antes achei que ele queria pegar o isqueiro emprestado. Estava meio bêbada. Depois me dei conta é de que ele queria mais papo mesmo.

H: Humm! E você deu?

M: Dei o quê?

H: Papo, porra! Deu papo pra o playboy?

M: Não... sim! Mas e daí? Foi só uma conversa e mais nada.

H: Era bonito?

M: Era.

H: Fazia o quê?

M: Qual a diferença?

H: Quero saber, por que algum problema? É só uma conversa.

M: Não... Era violinista.

H: Então você curtiu o cara.

M: Claro que não! Quer dizer, só acho engraçado, quando a gente tá solteira essas coisas não acontecem Assim, né?

H: Como Assim? Que coisas?

M: Ué... chegar um cara bonito e interessante pra conversar numa festa qualquer, sem possibilidades.

H: Então não sou bonito nem interessante?

M: Amoooor! Porque você tá falando isso?

H: Porque você acabou de falar.

M: Eu não falei nada disso... esse assunto está muito estranho. Pergunta o que você tá querendo saber.

H: Eu quero que você fale.

M: Falar o quê?

H: O que você deveria me contar.

M: E o que eu deveria te contar?

H: Você é quem sabe.

M: Não, não sei não. Você quer que eu te conte alguma coisa que Você sabe, eu não.

H: Tá! Como você cortou o cara?

M: Eu disse: amigo, é namoro ou amizade? Amizade!

H: Só isso?

M: É.

H: E ele saiu? Desistiu?

M: Sim.

H: Um fraco.

M: Ah! Vamo parar com essa babaquice...

H: Por quê? Não! Quero que você fale mais dele.

M: Do cara? Pra quê?

H: Porque eu to a fim.

M: Tá! Ele morou um ano na França, ama Villa Lobos e vai pra Nova York semana que vem.

H: Então o mauricio fala francês?

M: Deve falar...  e daí?

H: E daí que você também ama Villa Lobos.

M: Sim, é meu ídolo.

H: Eu sei... você tem Villa Lobos no celular... nunca vi uma pessoa que só escuta rock n' roll e blá-blá-blá e tem Villa Lobos no celular. Isso é muito estranho!

M: Não acho... Eu amo música clássica, vira e mexe escuto. Você está cansado de saber.

H: É! Eu sei. Mas acho meio chato. Bem chato.

M: E daí?

H: E também não falo francês.

M: Aonde você quer chegar com isso tudo?

H: Diz você.

M: Dizer o quê? Que merda porra você tá doidão?

H: Ficou nervosa? Tem alguma coisa pra me contar?

M: O quê? O que você quer que eu te conte? Que trepei loucamente com esse cara?

H: Já é um começo. E como foi? Ele é melhor do que eu?

M: Porra eu não to ouvindo isso. Eu mereço!

H: É ou não é?

M: Cara, para de viajar. Acorda! Eu não transei com o cara.

H: Então foi só um amasso?

M: Que? Não! Não teve nem um estalinho.

H: Não acredito. O cara era perfeito... até parece.

M: Já entendi tudo. Já sei qual é a sua.

H: Como assim?

M: Tu fez alguma merda não é?! Você trepou com alguma vagabunda e quer transmitir a culpa pra mim. Todo esse seu blábláblá de “se você me trair vou te matar” e “morro de ciúmes de você” e “minha dependência psicológica é maior do que a física e blábláblá”. Você tá fazendo merda. Fala! Quem é a piranha? Quem?

H: Você é a piranha. Sua puta disfarçada.

M: Seu... peraí que eu já volto!

(barulho na cozinha)

H: O quê? O que que você tá querendo aí?

M: Anda, fala, quem é a vagabunda?

H: Pra que isso? Você tá me ameaçando? É bom que esteja afiada.

M: Anda! Fala! Para de me enrolar! Olha, se eu descobrir vou desfigurar tua cara, você vai virar um monstro.

H: Não ligo.

M: Anda fala! Para de fingir que a escrota sou eu.

H: Me dá essa merda aqui!

M: NÃÃÃÃÃOOO!... Me larga seu desgraçado eu te odeio me deixa em paz!

H: Sou bem mais forte que você, que história é essa de aparecer com essa merda? Tu tá maluca? Fica me ameaçando como se eu fosse um bandido, um desconhecido...

M: (aos prantos) Por que você faz isso?

H: Não chora... vem cá. Eu te amo... Você é tudo pra mim. Tudo! Nem durmo direito... eu só penso merda mesmo... não posso te perder de jeito nenhum. Eu sei que esse cara era muito foda, mas esquece ele.

M: Você é maluco.

H: Não. Só obcecado. Me dá um beijo.... Eu te amo.

M: Eu te amo. 


terça-feira, 26 de junho de 2012

Deusa do submundo em seu Ritual

Cleopatra por Daya Gibeli


Ginoliterata. Aos desavisados fingia-se de mendiga. Andava por ruas e ruas falando e rindo. Falava e ria sozinha para iludir indiferença alheia. Nos grandes mercados dos capitalistas é difícil carregar um bem precioso sem ser notada. Era algo reluzente, poderia ser vendido, mas nunca comprado. O paradoxo. A mulher quase cigana de traços marítimos - deusa do submundo. O revoar das horas e os mercadores começavam a recolher suas tralhas. Somente ela, aos poucos, dava peso e matéria, cobrindo o chão com seus frutos. Cantava. Olhares eram descobertos em diferentes pontos. Fixos, fugidios, encabulados. O suculento mistério da mulher. Ela amorosamente descalça, retalhada, com leveza ofertava-lhes suas mercadorias que poderiam ser vendidas, mas nunca compradas. O paradoxo. Mantinha-se ali, debruçada sobre si mesma. Esquecida em clareira aberta para o mundo. Em Ritual flutuando feito um ectoplasma. Batendo tênue o corpo de papel. O frenesi da surpresa e seu sabor. O assombro de todos ao ver surgir o bem mais precioso... Ainda curvada, esconde  um dos braços nas pétalas da grande saia, os dedos em pinça, no fundo, além da brilhante beleza de escuras rodeada de mucosa palpitante, retira embebida, a palavra.  

sexta-feira, 15 de junho de 2012

preâmbulos dialógicos caminhantes rua-ante-rua

No Portão

Bom dia Dona Filhinha.
Dia.
Passeando?
Lutando contra o reumatismo.
Bom... E Seu Nilo?
O homem só dorme, não levanta nem pra cuspir...
Ah, então é bom de cama.
Hoje num chove não. 

No Saara

Ô Moço, é tu?
Sou.
Quanto é o óculos?
R$20
É de homem?
Também pode ser.
Ah não! Quero um só de homem.
Tem esse aqui, lente hi-tech, da moda, do estrangeiro...
É?
Ô! ó a carcaça.
Tá.
O carinha vai..
Meu pai, ele tem rosto largo. Coloca ai pra mim ver. 
Ele é paraíba?
Não é gordinho mesmo... Só tenho dez.
Pó leva.


Brumas Machadianas

Bom dia.
Bom dia.
Tem Machado de Assis?
Claro!
De conto?
Qual o nome?
Poliana e Evandro...
Tem não.Vou ver no google... Aonde viram esse livro?
O professor pediu, é trabalho.
Estranho.... Vera, Vera, conhece Poliana e Evandro do Machado de Assis?
Nunca ouvi falar.
Nem eu, mas a escola deles pediu.
Vixi.
Tem outro Machado, ou outro Assis que escreve conto?
Não! O professor sempre fala desse Machado de Assis, é ele mesmo, Evandro!
Você é Evandro?
Haham.
Poliana?...
Vem cá. Aqui ficam os livros do Machado de Assis, vê ai o que vocês querem.  

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

castelos de areia

        Society Women as Goddesses, 1935, by Madame Yevonde

Mrs Edward Mayer as Medusa


Com a chegada da primavera, vestiu a roupa de leoparda, cingiu o elmo e seguiu em batalha. Sozinha em longa vigília. Armada de pele guerreira, conquistava reinos em diferentes pradarias. Seus feitos eram narrados em fogueiras pelo mundo. O perfume corria pelas encostas. Morava no coração de cada menina corajosa. Desejavam seus negros cabelos acariciando-lhes a face pueril.  
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando almejou reinos proibidos, Casas que não lhe pertenciam, redutos marcados pelo amor. Ela não podia amar, disso sabia, sempre soube. Escolheu ainda criança. A profecia então se fez; seu destino estava traçado. Mas descobriu tardiamente, à margem. A garganta um pouco seca, olhos sanguíneos, não haveria mais volta mesmo para ela, mulher poderosa, imperatriz de suas vontades e de íntimo exército ...   lamentou a única coisa que jamais conquistaria: o amor.
Insistiu de todas as formas; amputou cabeças apaixonadas, arrancou corações pulsantes, sugou corpos de sangues róseos... tudo, tudo para consolar-se a si mesma. Tudo por não estar mais distraída. Assistiu decadente seu império desmoronando. E nenhum choro curou seu esforço...
Naquela tarde os castelos que cultivara foram levados pela brisa impiedosa do mar, esvoaçaram arenosos com o último alento vermelho     

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Elétrica

Para evitar que fosse devorada, munida da raquete elétrica trucidava os mosquitos. Amargurada e impulsiva.  Matava-os dia após dia. Explodiam queimavam ardiam fedorentos o destino de brasa. Sem brecha para a fuga. Ela carregava consigo rubra flor da morte, permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos. Até a chegada daqueles dias mais amenos... eles sumiram, foram. Partiram resignados a sugar sangues alheios. Na boca, só sua própria língua. Ela, descalça, permaneceu estática, aposentada da emoção, da delícia de matar. Começava ela a empoeirar-se. Saiu.
Caminhando em águas profundas do pensamento, foi na esquina da banca do bicho, encontrou com ele. Agora farejava novos horizontes. Colou o coração na boca. Ele ondulou a cabeça excitado, era bela aquela tristeza. Uma pausa, o beijo. Estalo. Ele consumiu-se lentamente nas labaredas da amante. Poeira levitando na brisa. Ela pulsante, elétrica por intensidade.        
                    

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

uma noite dessas na cozinha

Como tirar cheiro de tartaruga morta da ice bag?


Quelônios – como cuidar, matar e enterrar?
www.quelôniosdaminhavidasolitária/tartaruguinha quando nasce
Seus problemas acabaram... borra de café é um ótimo neutralizador de odores indesejáveis... Existe um liquido raríssimo que só nas cavernas do deserto do...

Cheiros desagradáveis – não aguento mais, vou morrer!
www.putaquepariu/issotamuito ruim.org/html
Mistura homogênea de saião de passarinho morto... deve-se matar o passarinho morto para ter a certeza de que ele já morreu... pétalas de Flor de Jade curtidas em óleos de cabeleira de pôneis de 1,35 – 1,40... compra de mini pônei Animais Cavalos Mercado Livre

Vida sem frescura – como limpar a cozinha depois o banheiro..
www.viver -e-não-ter-a-vergonha-de-ser-feliz/ai caramba!!

Água sanitária volume objetivo atingido. Na vida sem frescura tem coisas que não são passíveis de serem entendidas... é matar ou morrer... Sempre lembro de você Se tiver muito lodo ou sujeira sólida..


É! Mas o cheiro ficou entranhado. De tão ruim e forte e denso, chega a impronunciável. Parece que os buracos invisíveis do forro absorveram as micropartículas aquosas que transbordavam da tartaruga... E as tramas se refizeram e uma nova bolsa surgiu e carregará por toda a eternidade a maldição: o cheiro da tartaruga morta...

Cala a boca!

Você acha que dela escorreu?

Não sangue.

Ai não quero mais essa parada! Pode jogar fora, dar pro cachorro, catador de latas, sei lá.

Mas não tem nada.

A gente podia colocar no nosso bazar...

Pow!

Porra você sabe, mas as outras pessoas não... e nem reparou, se a gente não tivesse falado.

Porque tem um monte de coisa velha ai em cima?

Coisa velha o cacete! É nosso bazar.

Hahahahahahahhahaha (arqueando o corpo para trás, agigantando ainda mais a barriga).

O quê? Tem umas coisas ótimas, tem mesmo. Não acha em qualquer lugar. Relíquias... utensílios com história.

Olha esse potinho que mimo, foi titia Astúcia quem fez.

Acho bem... cafona!

Ui! Acho lindinho. Bem engraçadinho.

Oh! Falar que é de porcelana legítima, pintado a mão blábláblá, não tem nada. Porra foi a tia Astúcia que fez. Ela deve ter uns 130 anos. E a velha ainda anda e... baba.

Só isso também.

E daí? Se estiver assim também, oxê!... E o trabalho não é de iniciante, oh o traço, coisa fina... tem estudo...

Escroto pra...

Que que isso? De princesa, eu acho mOOOOU! Deixa eu ver. Tem um pouco de banheiro, vai...

Hahahahhaahahahhhahaha! Ai, ela ta chutando horrores... será que foi a cerveja?

Dói? É castigo.

Não, só está agitada.

... Porra esqueci!

Ficou mole?

Não! Tá bom!

Quer comer?

Não, tô bem.

Come ai só um pouquinho.

Acabei de comer uma pizza.

Quer comer?

Não, comi pão em casa. Se alimenta, more. Uhm! Requeijão, alho-poró, adoro. Ele fica puto com o cheiro.

Tá mas e a ice bag?

Você pode levar esse copão do Bob’s de 1997. Quando o pequeno príncipe veio ao Brasil pela primeira vez. Ahm?Ahm?

Ah vai à merda!

E esse ralador? Nosso artigo mais recente. Além de ralar serve para outras coisitas mais (olhar safado de quem pensou em sacanagem).

Ah é? acha que isso é uma cabeça?

Pequena.

Que que é isso! Vocês tão que tão.

Hahahahahahahahahaha

Então tá, me dá a bolsa assim mesmo, seus escrotos! Nunca vi, uma tartaruga vive uns 200 anos...
Tchau! Lindona.

Beijo querida. Volta ai.

Vamo marcar. Vou fazer o chá mês que vem. Bjuuu. (e foi agarrada na alça).

Hahahahahhahahahhahahahaha (acesso de loucura)

sábado, 21 de janeiro de 2012

Antonio Veloso Maia recomenda a leitura da mensagem "Grandes escritores falam sobre seu ofício"


“...Por começo, a criancinha vê os objetos invertidos, daí seu desajeitado tatear; só a pouco e pouco é que consegue retificar, sobre a postura dos volumes externos, uma precária visão. Subsistem, porém, outras brechas, e mais graves. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente... E então?...” O espelho – Guimarães Rosa

 “Você nunca termina um livro, você os abandona.” Oscar Wilde

 “...Úrsula, já quase cega, foi a única que teve a serenidade para identificar a natureza daquele vento irremediável e deixou os lençóis à merce da luz, olhando para Remédios, a bela, que lhe dizia adeus com a mão, entre o deslumbrante bater de asas dos lençóis que subiam com ela, (...) e se perderam com ela para sempre nos altos ares onde nem os mais altos pássaros da memória a podiam alcançar..." Cem anos de solidão – Gabriel García Márquez

“Devo meu sucesso a ter sempre ouvido respeitosamente os melhores conselhos, e depois ter feito exatamente o oposto.” G.K. Chesterton


“El método inicial que imagino era relativamente sencillo. Conocer bien el español, recuperar la fé católica, guerrear contra los moros ocontra el turco, olvidar la historia de Europa entre los años de 1602 y de 1918, ser Miguel de Cervantes.” Jorge Luis Borges

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.” Clarice Lispector

Cada um fla um coisa ; onde você entra . . . ?

Misteriosamente em todos! Morro de inveja porque disseram tudo que eu poderia ter dito. Penso muito sobre a ânsia de ser escritora. O que, aliás, já sou! Entretanto vivo em trancos e barrancos tentando convencer as pessoas - as significativas somente, mãe, pai, irmã, bláblá, - que de fato nasci para isso e que se não fizer disso a minha vida, ou pelo menos tentar fazê-lo, prefiro renunciar a qualquer tipo de existência. Vagaria sonâmbula carregando no peito um tipo de tristeza represada num olhar profundo constantemente choroso. 
Pensei naquilo que disse, por que eu, por quê? De tantas primas, irmãs e até leitores desconhecidos... por que justamente eu vim com essa maldição? Ouço vozes diariamente e se não expurgá-las de alguma forma, sinto que posso explodir, ou enlouquecer (se já não estou louca). Preciso lidar com essa esquizofrenia de um jeito natural, fingir que isso é comum a todos, não um privilégio só meu. Então é assim: acredito que as cabeças do mundo inteiro nunca desligam, funcionam engrenadas por delírio dialético desenfreado. Pairam eternamente no mundo das ideias, desbravando seus caminhos e acreditando ser essa a única forma de experienciar o real, ou o que se quer dele. Não estou nem pensando em Platão, ou devo estar, sei lá. Mas a questão é que sempre tenho uma questão sobre as coisas, e isso acaba me deixando prisioneira. Sofro a dor do mundo, das crianças de ruas, dos ignorantes, dos subjugados, das freiras, dos desgraçados, bêbados, loucos, putas... E eu? Eu estou maluquinha, te confesso. Agora que comecei o projeto do livro parece que o todo gira em torno dele. Como descobrir uma nova galáxia, e o livro, o sol. E pior é que nem sei aonde isso vai dar, tenho um pouco de medo, um medo corajoso, mas medroso também. E se ele não sair da gaveta, no caso, do computador? Virar um arquivo morto, que daqui a anos não merecerá nem um backup. Para onde vão os livros que não são editados? Será que um texto deletado, perdido, toma forma de outra coisa? Evapora e encontra na vasta dimensão da Terra nova vida? Seria tão mais fácil ser uma daquelas gostosas que aparecem na tv domingo. Se há bunda, pra que cérebro? Pensar dói, escrever fere. A chaga aberta, fratura exposta que me faz compreender por vias metafísicas, de modo inumano, que não há mais volta. Estou fadada, você sabe.  


Carta desabafo. Foda-se!
Thati Verthein 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

caras de papel

Modelo criado por Jum Nakao 

Ando pela rua já quase cega. Calor escaldante de janeiro. Pessoas cruzam derretidas num deslumbrante bater de asas. Correm na ânsia de chegar, chegar a algum lugar.  Não sei ao certo se é isso mesmo. As vejo sobre a postura dos volumes externos com visão precária. Mas percebo que respiram de antemão o ar que estava à frente. Expressões carregadas pela poesia do corriqueiro. Entretanto adormecidas ao entorno de magia inexplicável das cores. Descontroladamente a procura de impor um pouco de rotina e lógica a vida. Pensei: gosto das pessoas, gosto de mantê-las por perto, observá-las, saborear a cadência dos gestos, ir de encontro a seu sopro de vida. A saída da barca é engraçada. Lembra-me uma porteira sendo aberta enquanto algo ou alguém de tudo faz para alinhar a boiada. O mar de gentes. Penso se cada qual vive sua vida, se acredita piamente ser quem é. Às vezes me parece que ninguém se mostra como é realmente. Tristeza de molhar constantemente os olhos. Talvez não exista na espécie humana um existir por inteiro, perpétuo. Há mutação, mesmo renegada. Por um lado é bom, acho. Até eu, na alegria de ser quem sou, minto, imagino uma personagem como para todas as outras pessoas. Mas isso não acontece com a porta, cadeira, nem mesmo com o computador, dito senhor da precisão. A garganta um pouco seca de espanto, nem eu sei se sou eu ou não que confessa não saber. Seria ótimo se cada um escolhesse, hoje quero ser gentil, amanhã louca, depois depravado, inseguro, super-herói, intrigante, reticências, palhaço, semana que vem diretora, insalubre, prolixa... amante.... Amo a vida! E ter toda essa sede de destrinchá-la é a minha própria água. Queria que fosse também a delas(es). Ih! Como sonho coisas impossíveis.