ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

quarta-feira, 31 de março de 2010

primeiro e último movimento da cantata de amor

É bom saber que o fluxoacorde da fala é tocado assim em tom ameno de ligeireza. Porque o pensamento - massa amorfa - não compõe sintonia perfeita. Alegro o coração acelerado feito metrônomo. Cadenciado por som que remeta a um sentimento sem partitura... algo dissonante em sinfonias lilases de transformação...

terça-feira, 30 de março de 2010

Cabum, o Gigante

O pai era um homem enorme, chegava a ser desproporcional, talvez uma anomalia. Intimidava a todos pela rua. Frequentemente o centro das atenções; com bermudinha jeans e camisão listrado. Não bebia, não fumava, não aumentava a voz. Diziam as más línguas que era abobalhado, mas o descomunal tamanho foi a chave de sua reputação. Ninguém se metia a besta com ele, nunca!

Certa vez, no bar Rainha da Pipoca, Cabum - como era conhecido - resolveu sentar-se pela primeira vez fora de casa. Puxou duas cadeiras de ferro, dessas comuns nos botecos da vida. Arqueando calmamente as pernas inibidas pela incerteza, num súbito instante, transformou as cadeiras em duas folhas de papel metálico. Não pôde aguentar o próprio peso. O dono do bar agarrou numa barra de ferro e xingou o gigante com o máximo de nomes feios possíveis de se pronunciar em poucos minutos. Cabum derramou-se em pranto. Nadando em soluços e mucosas, respirou fundo e com todo delírio angustiado que borbulhava de seu estômago, gritou gaguejando: "MUMULHERRZINHA!" O estrondo foi tamanho que o pobre comerciante se mijou todinho, passando a maior vergonha aceitável para um valentão de vida vazia. A história perpetuou-se; virou lenda e ganhou infinitas versões. Chegaram até a dizer que ele amassou as cadeiras com pisões bem dados. Intrigueiros à parte, o grandão era um poço de tranquilidade, imbuído pela filosofia da paz. O auge de agressividade mais profundamente atrelado à suas entranhas, vísceras pungentes, sempre fora dizer: "mulherzinha". Mesmo assim, só expurgou a raiva duas vezes. Esse episódio no Rainha da Pipoca, foi uma delas.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Era uma velha louca, matrona.
Esbarrava em todos pela rua pelo simples fato de se sentir gigante, gigantesca. Obelisco. Passeava para lá e para cá. Não tinha nada para fazer, sempre escolhendo a vítima...
O marido, um coitado, todos os dias de mãos sujas; de manhã, placa ambulante, à noite, burro de carga.
A velha, um ser sem destino pelas ruas cosmopolitas do mundo atacando pessoas com sua bunda enormemente frenética.
Nunca se cansava, chegava em casa e ainda tinha fôlego para atazanar o marido, velho desgraçado, vou estourar sua cara... seu monte de merda, e ele, aguentava quieto como se aquela fosse a última pessoa da face da terra.
Dia como outro qualquer, saiu de casa a barreira humana a fim de jogar transeuntes no chão...
e hoje, estava tão inspirada, mas tão inspirada, que precisava de alguém feito aquela criancinha que certa vez conseguiu quebrar o braço.

ahahahahaha! interioriza um riso sombrio e grave, conseguindo dissimular o prazer do ato. Os olhos transformam-se em duas bolas de gude umedecidas.
A mãe a consola como se a criancinha fosse culpada de ter cruzado o caminho da pobre senhora.

Contemplava a rua cheia de pessoas atemporais raios coloridos comércios enfestejados imundice sinal quebrado carrocinhas subjugando os espaços públicos sarnas papelões e latas
Lá está ela! a perfeita jovem esquálida que procuro.
E a sacola três vezes maior que ela, um prato feito.

Ficou observando, espreitando, contando os passos da presa.
A menina estranhamente não saia do lugar, andava em círculos como se fosse fazer uma coisa que já tinha perdido o sentido há muito tempo.
A velha esperava o momento certo, se fazendo.
Lapso, num surto psicótico, a menina começou a apertar desesperadamente o botão de um aparelhinho que ela carregava na mão.
Aquilo a distraia fazendo tudo parecer congelado... não tinha mais ninguém na rua,... só ela... a terra parou em seu botão.

Agora...
A velha andou acelerada desbravando gentes de todo tamanho, seguiu uma linha reta em direção a menina e a arremessou longe...


Apenas uma pontada, como uma picada de mosquito ou de fina agulha de costura.
Um buraco enorme
pessoas para todo o lado
sangue, braços e cabeças rolando em trapos
muita fumaça nos olhos semicerrados

o que?
muito obrigada!
o que?
a bomba...

E a luzinha esquálida voou para longe,
ela ficou.


sexta-feira, 5 de março de 2010

meu objeto mental anda conturbado
pergunto: qual o significado do significado?
será que existe uma realidade a ser exposta?...
ou vivemos num furação de sombras desvairadas
acredito sim, que a realidade vai além da palavra de qualquer linguista indefinido
ignorar o mundo que corre lá fora, é como não andar
nem mesmo conturbado
e eu
prefiro criar pernas a ficar parado feito os pobres de espírito



quinta-feira, 4 de março de 2010

queria que as palavras virassem coisas
o lugar espacialmente habitado transcende qualquer geometria

vejo tudo gigantesco
pequena
não aguento as proporções do meu quarto

as coisas me engolem
são fortalezas intransponíveis
maiores que a torre
que há em mim
O CORPO