ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

C.A.

Ela não tinha nome, mesmo que tivesse não o encontraria em lugar nenhum

em um obituário, quem sabe?

pessoas fazem isso, criam para si novas identidades antes inexatas, vagas, agora cheias de estórias contadas por elas mesmas crentes na fugacidade dos tempos. contemplam uma imagem efêmera uma paisagem uma revista rostos transeuntes, tudo isso contado pela vida, aí, inventam para si um universo de coisas grandiosas, de perto, coisas de longe ouvidas transmitidas, sentidas, criações anedóticas... porque a memória é assim, trabalha contra nós, mas também tende a nosso favor, não sempre, às vezes.

lembro-me daquela cara de anjo... um gosto de céu atravessando a madrugada com a gentileza do toque quase em câmera lenta (percepções vibráteis de um fluxo de brisa etérea ) como infinitas ninfas desnudas entoando cânticos pagãos subliminares


poética? Não


era fria, dizia francamente e a face cheia de traços desordenados. machucava por gosto de agredir-se a si mesma. não sei se mulher ou menina, estranhamente ficava em dúvida mas era esperta, tinha um quê só dela, um tempero romã de mais ninguém.


peste capaz de transformar-se em santo demônio


possuído o corpo inerte esquece sua materialidade (herança perdida e ancestral), tentara em vão criar pernas, melhor fossem asas. eu nada seria. erraria perdido em nuvens rosadas destituídas de espaço em branco vazio. colorido por explosões de espasmos ora azuis, ora roxo-acobreados, abrindo cascatas enormes fantásticas e ao fim de cada cor o céu dourado brilhante - mina inexplorada quente e úmida

não era má, ao contrário, sempre educada e gentil. tinha sua fortaleza de fato, mas quem não tem? usava chapéus enormemente intrigantes e ficava bem interessante com eles, lhe frutavam certo mistério – uma noviça rebelde

não sei exatamente. disse que era dançarina... desconfiava que fosse stripper. isso não era problema para mim.

...Ah!... Que corpo ! fui cego, e quem se importa? que tornozelos, o trapézio magnífico; dignos de uma atleta

que cara é? estranho? Os homens apreciam a bunda – cerejas ardentes , os seios perfeitos e bussolares,... e daí? todas as mulheres têm essa proeza, bem... pelo menos em partes, ...mas aquele tornozelo torneado por horas a fio pisando em ovos, flutuando, enrijecendo as canelas. É sim! ela dizia ser ótimo para isso. o trapézio - uma delicia só dela, especiaria em paraíso desconhecido lambida desenfreadamente por desejo difícil de explicar, talvez insaciável

Não me deixou!


Espere... (faço cara de coitado, os fãs adoram ver o ídolo sofrer)

É!

não seria tão depreciativa. vivíamos bem,... ou até quase muito bem, fazia tudo por ela, não cobrava, nem esperava, sempre dormia, saia por ai andando em caminhos incertos, nunca a encontrei, não assim, não na devassidão penetrante da madrugada

solitária, precisou ir embora

minha nossa! de maneira completamente escabrosa tornou-se celibatária. Preste bem atenção! não fazia mais sexo, porra! não transava, nem se masturbava; Meu Deus, tudo que aquela mulher amava fazer, era sua vida, necessidade para além da simples existência...

aquela vaca! Gostosa! ficou assexuada da noite pro dia, eu?

continuei idolatrando qualquer mulher de tornozelos ou trapézio bem colocados, tive que me contentar com pouco, nunca mais encontrei ossada como aquela. passava horas contemplando o nada, eu e o nada, de repente lembrava de detalhes impressionantes e assim montava meu quebra-cabeça

fiz dela uma musa, protagonista da minha obra-prima, um romance que tinha tudo: morte, disputa, gula, desespero, mistério, e claro, ilusões, muitas, como em toda boa história de amor verdadeira...

um best seller que nunca saiu do manuscrito, por que? talvez não terminei o livro com a verdade realmente verdadeira

ouvi dizer, mas isso foi bem depois, que ela converteu um doutor em filosofia, um rapazote qualquer cheio de fórmulas prontas extraídas de livros inúteis de bolso. rezam no mesmo convento, sabe-se lá em qual lugar do mundo, quem dirá em que posição, ou se existiu deveras (adoro essa palavra, será um bom desfecho)

agora penso em reescrever o final, é, o público sempre tem razão, é a voz da razão, e nós artistas, da insânia, da vida depravada e infantil, tudo ao mesmo tempo em doses homeopáticas. de que me adianta essas linhas se não forem lidas? talvez um dia até Fraülein (posso chamá-la assim para atiçar os homens) possa folhear com a ponta do alongado indicador essa entrevista em alguma revista ou periódico da religião que acredita


um dia...

Roteiro fictício da entrevista de Clemens Agustus sobre seu livro “cabelos embolam na nuca”

Um comentário:

floratomo disse...

Isso fará a sensação da lembrança. O que lemos depois de escrevermos é de papel. Então as lembranças são assim? Está bem, minha alma não é de papel. Mas em algum dia estará lá Daya de papel na estante de alguém. Que talvez me ame. Ou que seja obrigado a guardar-me contra o medo da maldição de ignorar quem ama.


é engraçado como ultimamente os nossos textos andam dialogando, mme!! leia o texto dA Casa que coloquei nos átomos em revolução!!

vamos logo terminar esses livros, porra!!!