ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008


elemento nada°°° porque eu não consigo achar esse número


O primeiro emprego sempre é uma experiência inesquecível. Quando completei não mais que dezesseis anos, arrumei o meu. Consegui meu contato na praia, mas também não podia ser de outro jeito, lá era meu fiel escritório. Fui fazer a entrevista em uma casa inusitada. Tinha garagem de ardósia vermelha para uns dois carros, um atrás do outro. O lugar tinha um quintal exótico, dividido pela garagem. Do lado direito era escurinho, coberto por árvores, não muitas, o suficiente. Havia um caminho de bolachas de madeira grossa feitas de jaqueira, no final da caminhada, chegávamos a um cantinho aconchegante com tocos largos usados de bancos espalhados em rodas formando círculos tão curtos e tão próximos, muitas vezes nas tangentes existentes entre as circunferências, bundas estranhas se encontravam. Do lado esquerdo era tudo clean, um espaço gramado com uma sinuca ao fundo e duas mesas interativas. Visão panorâmica do espaço. Rente às mesas avistei um parapeito com uma singela rede de pesca simulando uma parede, espécie de isolamento do teto à muretinha de concreto. Não se podia meter o braço. Penduraram na rede uma intrigante placa de CUIDADO! Achei a decoração divertida: “que doido”.
Explorando o território fui aliciada pela curiosidade e num instante estava na tal redinha. Foi quando meus olhos encontraram outros olhos resignados, que pareciam duas bolas de gude lustradas, negras cor de bismuto, o fio de luz ofuscado, intenso num constante semi-sono, lembravam um abismo de rochas preciosas. Voltando à razão, me dei conta de que eram dois pares de olhos estáticos e atentos. Percebiam a respiração de um mosquito, o desprender de um fio de cabelo, o tremer de pálpebras num piscar sem aviso. Olhos irracionais, há tempos involuntários, desalmados. Senti um desgosto supremo que me percorreu gelado do dedo do pé à cabeça: “Forró do jacaré”. A clarividência mórbida me deixou nauseada: “Execrável!”. Estranhamente, misturava-se a vertigem uma oculta satisfação: “Posso encará-los”. O casal parecia hibernar; imóveis, parados a qualquer suspiro atravessando a estrada do tempo.

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