ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

sábado, 23 de agosto de 2008

A marcha reta

ÁGUA NEGRA °°° 4 elemento


Subitamente, o homem acordou de seu sonho delicioso quando ouviu um ruído vindo da escada que dava para laje "alguém, ai meu Deus!" Jogou o pobre ganso dentro da caixa d’água e com impressionante rapidez fechou a tampa. Ian subia para perguntar se estava tudo bem, se ele precisava de alguma coisa; água, café talvez. Ele trêmulo respondeu não e disse já ter terminado. Falou passando em marcha reta por Ian até a escada, a fim de descer o mais rápido possível, os ombros retraídos como se estivesse com vergonha do olhar do outro, no caso seu patrão. O que até justificaria seu andar de olhos pregados no chão – atitude de subserviência. O patrão, por sua vez, nada percebeu, afinal, desde a hora da chegada do rapaz já o tinha achado um tanto maluquinho, mas inofensivo. No portão, o valor acertado foi de cinquenta reais. Diária justa para quem aproveitou tão bem o serviço. O cara estava montado em sua bicicleta pronto para zarpar, quando Ian perguntou se ele, por acaso, não tinha visto um ganso: "FUDEU!" pensou aflito e respondeu “não não não” com a cabeça pimbauzando e a cara mais lavada do mundo, mesmo sentindo dentro do estômago uma torrente de sangue lhe subindo à garganta feito um soco bem dado. Assim, pulou na bicicleta e pedalou como nunca antes. Enquanto pedalava, lembrara-se da vez em que ele e a tia foram surpreendidos. A danada fez a mesma coisa com ele. Repetia em seu íntimo "Cruel desgraçado". Naquele dia, ele teve muito mais chances, porque a bendita tia deixara a tampa aberta e, além do mais, ele possuía mãos que foram capazes de se agarrar silenciosas. Pois a última cena que viu da tia foi de seu rosto como num close, o dedo indicador à frente dos lábios entreabertos em um voluptuoso biquinho. Aquela cena congelou em sua memória e durante incontáveis noites lhe surgia a fim de atazanar seu sono. O rapaz no vão do mundo pensou em se arrepender, suspender caminho... mas para seguir o viver comum, desistiu sabendo que agora viria assombrar-lhe toda noite uma outra desgraçada visão.

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