ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

terça-feira, 30 de março de 2010

Cabum, o Gigante

O pai era um homem enorme, chegava a ser desproporcional, talvez uma anomalia. Intimidava a todos pela rua. Frequentemente o centro das atenções; com bermudinha jeans e camisão listrado. Não bebia, não fumava, não aumentava a voz. Diziam as más línguas que era abobalhado, mas o descomunal tamanho foi a chave de sua reputação. Ninguém se metia a besta com ele, nunca!

Certa vez, no bar Rainha da Pipoca, Cabum - como era conhecido - resolveu sentar-se pela primeira vez fora de casa. Puxou duas cadeiras de ferro, dessas comuns nos botecos da vida. Arqueando calmamente as pernas inibidas pela incerteza, num súbito instante, transformou as cadeiras em duas folhas de papel metálico. Não pôde aguentar o próprio peso. O dono do bar agarrou numa barra de ferro e xingou o gigante com o máximo de nomes feios possíveis de se pronunciar em poucos minutos. Cabum derramou-se em pranto. Nadando em soluços e mucosas, respirou fundo e com todo delírio angustiado que borbulhava de seu estômago, gritou gaguejando: "MUMULHERRZINHA!" O estrondo foi tamanho que o pobre comerciante se mijou todinho, passando a maior vergonha aceitável para um valentão de vida vazia. A história perpetuou-se; virou lenda e ganhou infinitas versões. Chegaram até a dizer que ele amassou as cadeiras com pisões bem dados. Intrigueiros à parte, o grandão era um poço de tranquilidade, imbuído pela filosofia da paz. O auge de agressividade mais profundamente atrelado à suas entranhas, vísceras pungentes, sempre fora dizer: "mulherzinha". Mesmo assim, só expurgou a raiva duas vezes. Esse episódio no Rainha da Pipoca, foi uma delas.

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