ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Madame Tormenta na III edição do Sarau-Rock'n Canelinha



Exus na capa da noite soltaram a gargalhada e avisaram a cilada pros Orixás... 



Texto: Tiro de Misericórdia
Artista: João Bosco
Mais sobre o Sarau Rock'n Canelinha 


domingo, 31 de março de 2013

O Cosmonauta Russo


Another Earth: The Russian Cosmonaut


O primeiro homem a chegar ao espaço foi russo e não americano como a maioria pensa. A Rússia venceu o EUA nessa viagem à Lua. O Cosmonauta Russo foi o primeiro homem a ver o planeta que vivia de fora para dentro, a enfrentar a imensidão do espaço. Partiu em uma nave enorme, mas o compartimento em que viajava era bem pequeno, minúsculo em relação à nave; um armário. Ele não se importava com isso, sentia-se pleno. Aquela era a experiência única da sua vida, na verdade, era a experiência única de várias vidas que depositaram no viajante um mundo de sonhos e expectativas. Depois do dia em que o primeiro homem partiu para a Lua, nada foi como antes. A visão da Terra mudou para sempre, a vastidão do espaço inalcançável seria repensada. O Cosmonauta Russo estava indo muito bem, até que um dia aparentemente normal como os outros, começou a ouvir um ruído, uma nota agonizante feito o som de uma martelada espaçada por milésimos de segundos, talvez mais, ou menos, o tempo no espaço é difícil de ser mensurado como estamos acostumados. Ele achou que o estranho barulho vinha do painel de controle. Arrancou o painel inteiro, peça por peça, mas não parava. Algum tempo depois, horas, aquilo se tornou uma tortura, e por mais que ele tentasse esquecer, pensar em outra coisa ou fingir que não estava ouvindo... O barulho seguia contínuo, inalterado. Escutava-o idêntico, no mesmo tom, em qualquer lugar do reduzido compartimento. Muito tempo depois, dias, percebeu que aquele ruído ininterrupto acabaria comprometendo sua sanidade. Enlouqueceria sozinho no espaço, vítima de um inexplicável ruído. Então pensou que a única forma de conviver com aquele som desesperador, seria se apaixonando por ele. Ele precisava se apaixonar por aquele barulho... Respirou fundo, fechou os olhos de probabilidade e entregou-se à imaginação de corpo e alma, manteve-se nesse mantra por tempo indeterminado, horas, dias, segundos... Abriu os olhos (silêncio) e lentamente, ao invés do barulho, ele passou a ouvir música. Fabuloso! Ainda lhe faltavam 25 dias para concluir a viagem. Ele seguiu desbravando o espaço extasiado de prazer pela misteriosa música que sempre sonhou escutar, mas nunca dera importância. 

(Perspectiva da Madame Tormenta)

quinta-feira, 7 de março de 2013

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

38A Centro - Engenho do Mato

Cristo na Coluna (1966); desenho em nanquim sobre papel. 
Por Carybé 

Ônibus lotado. Subi hesitante na esperança de alguma sorte. O espaço central é confortavelzinho: tem aquele vão do elevador para cadeirantes.  Fiquei ali, desconectada do mundo. Lendo um livro sobre a origem do Universo. O cientista explicava a estranheza desencadeada pela perfeição do início das coisas – como se o universo tivesse sido conscientemente projetado para permitir o surgimento da vida. Percebi a potência do advérbio na supressão da realidade a que somos levados acreditar. O enredamento da trama. Especulações: inúmeras teorias da imaginação científica também o são. Imersa no livro, fui tomada de assalto com os gritos descontrolados de um rapaz logo atrás de mim. Ruídos profundos borbulhavam do nada. Extremos. Esgoelava-se agarrado ao ferro como se tentasse arrancar nos dentes a suspensão do ônibus. O tom da voz sofrendo mudanças drásticas. Senti a garganta um pouco seca, a boca entreaberta de pavor, assombro. Ele, o rapaz, sofria de estranho mecanismo, espécie de transe: o corpo espasmódico, gargalhando estridente, os dentes enormes pendiam das gengivas escurecidas. Tudo começou no túnel em São Francisco. O rapaz franzino assumiu proporções inimagináveis, aterradoras. O pânico tomou conta dos passageiros. Todos gritavam, assustados, surpresos; desconfiados, corriam, encolhiam-se, tremiam, arrepiavam-se. Uns até achavam graça. Ninguém era capaz de prever a natureza das sensações. O ônibus parou. O motorista veio investigar. Chama uma ambulância, sugeriu a mulher enquanto rolava a roleta. É coisa de demônio mesmo! Disse o motorista analisando. Soou a corneta. Passageiros saíam descompensados. Amontoavam-se para conseguir escapar da ameaça invisível. O que poderia ser? Um garoto de uns 15, 16 anos, gritando e rindo faceiro? O bombardeio energético quebrava sua estabilidade emocional. Em espasmos abstraia o concreto. Lapsos da personalidade eram percebidos. Sintomas da possessão? Subitamente, depois de aberta clareira no corredor, braços fortes envolveram a entidade. As veias do negro esturricavam. Entoava cânticos de alento para libertar o hospedeiro. Exú, dizia pulsante. Um odor insuportável infestava o ônibus. O motor retomou as engrenagens. O ônibus balançava na Avenida. O som metálico produzido pelas ferragens atormentava os ouvidos. A estranha sinfonia acrescentava volume ao exorcismo. Pessoas em círculo estenderam as mãos em reza, repetiam incessantemente uma mesma frase. Não posso lembrar, estava fora de mim. Sensação de ausência, de peso, de temporalidade. Visão panorâmica. O corredor do ônibus transportou-nos para uma espécie de limbo. A brisa sobrenatural, a crença, palavras de luta; o desdém e o terror aos poucos adormeceram a força que se apoderara do rapaz. Então arregalou olhos sanguíneos de animal indefeso – travado no pescoço e na cintura pelo homem com o dobro de seu tamanho. Olhei nos olhos agoniados; toquei no braço direito dele com a minha mão esquerda. Vai ficar tudo bem. Explosão de braços e pernas: o negão deu um tranco para trás; eu quase perdi a estabilidade – meu livro voou. Apressei-me em resgatá-lo. Cuidado com suas coisas! Disse um cara, como se tudo fosse um show para roubar míseros trocados dos passageiros. Não sabia em que acreditar; via e sentia ignorante a qualquer indício de manifestação do imaginário popular. Um sutilíssimo suspiro e o rapaz exausto, preciso ir pra casa. O negão colocou o rapaz sentado num banco – envergonhado pelo vácuo incerto do ocorrido. Piscava fortemente; uma ânsia de choro. A viagem aqui é noite. O rosto receoso soprava vestígios de matéria morta. Na floresta negra caminhava solitário. Os olhos revirados. No ponto seguinte, soltou como um metal pesado; e cingiu vestes de cavaleiro do apocalipse.